Para lembrar um vizinho que em 1610 nasceu na aldeia em que vivo, costumo começar por me apoiar em citações de Adam Smith, Karl Marx, Charles Boxer e outros, estimulando a nossa chamada “auto-estima” (não só de futebol ela se pode alimentar!, e bastante maltratada poderá ficar) com o facto histórico da descoberta de caminhos marítimos enquanto consolidador da nossa nacionalidade e origem de tanta coisa. Francisco Vieira de Figueiredo nasceu em Portugal, então sob domínio de Espanha, no meu Zambujal – aldeia de emigrantes num concelho de emigrantes, num país de descoberta de caminhos para os outros percorrerem e explorarem – e foi emigrante pois saiu desta aldeia, nas rotas de então, acompanhando um irmão mais velho para o Extremo Oriente.
Europeus mas ibéricos, ibéricos mas portugueses – somos um povo que tomou forma a correr mundo e a descobrir caminhos para mundos outros. E os que se aproveitaram, ao longo dos séculos, da portuguesa saga nacional, vêm agora, arrogantemente, pedir-nos contas a pretexto de nos termos distraído, dizendo que pouco trabalhamos e gastamos demais. E são esses – uns “lá de fora” e outros “cá de dentro”, cúmplices e servis – que bem aproveitaram, e bem se aproveitam, hoje, das nossas “distracções”, que nos exigem mais e mais e sempre mais, sem nada resolverem. Obsessivamente a partir do argumento de que lhes estaríamos a dever porque nos impuseram que lhes ficássemos a dever por produzirem o que nos proibiram de produzir, no mar nosso e na nossa terra.
Mas… nada de desesperos. Cá nos desenrascaremos (que também é verbo nosso), como lá por fora o fazemos, com tão reconhecida e elogiada qualidade… e bem explorada produtividade.
O nosso problema é não aprendermos as lições da História, não a estudarmos de outra maneira. Estudemos os nossos Afonsos Henriques, Nunos Álvares (outro conde de Ourém, como o seu neto Afonso, o quarto), Vascos da Gama, Pedros e Bartolomeus, Vieiras de Figueiredo, Marqueses de Pombal, Egas Moniz (destes, houve dois e um deles Prémio Nobel), Saramagos, Eças e Aquilinos, e mais tantos… mas não como indivíduos, aprendamos com eles como sinais e ilustrações de um todo historicamente amassado.
Como povo que somos!
Coloquemo-nos no tempo – fale-se ou escreva-se enquanto se viaje por há mais de 628 anos, por um 1º de Dezembro de há 372 anos, como se fossem pequenos saltos e um grande pulo para hoje. A lembrança do meu conterrâneo que andou por terras e mares do Extremo Oriente ensina-nos a que não nos devemos angustiar nos escassos anos que vivemos, como se estes fugidios tempos fossem o princípio e o fim de tudo! E ajuda-nos a compreender porque não é aceitável que, pelas paragens por onde ele andou, tanto lutando para preservar o que era nosso, alguém com as mais altas responsabilidades democráticas e juramentos constitucionais ande hoje a oferecer, a bom preço, o que nosso é.
Os portugueses no exterior, ajudando-se solidários, têm-se desenrascado por Franças, Araganças, Américas do norte e Brasis do sul, por Áfricas e Orientes próximos, médios e longínquos, como foi o caso desse meu histórico conterrâneo, mas não contemporâneo!, que optou por mudar de vida e colocar-se ao serviço de Portugal depois de 1640, e defendeu a presença de Portugal, de onde a cobiça dos outros nos queriam expulsar, metido entre guerras de interesses, entre espanhóis, holandeses e ingleses. E tanto o teria feito que por isso teve o fim que teve, assassinado por incómodo ser.
Pois sejamos incómodos! Enquanto corpo uno, pátrio e mátrio, de vez em quando este todo que somos encontra-se e faz grandes feitos, que são colectivos, embora com protagonistas como Vieira de Figueiredo ou anónimos heróis que a História (tal como se escreve) não lembrará.
Temos datas e anos – 1383, 1640, 1974 – que no-lo lembram, apesar da nossa propensão para o esquecimento, que tão estimulada é. A memória e a vida de homens como este nascido no Zambujal (e tantos outros, como os que, hoje, aqui não veem saídas e as procuram algures) ajudam-nos a refrescar a memória.
E a lutar por um futuro melhor que os dias que, hoje, se vivem.
Sérgio Ribeiro