A intoxicação linguística

8. Perspectivas

Sabe-se que as comunicações breves e fugazes devem apreender-se rapidamente, mas que só se podem entender de modo paulatino, pedindo mais informação e fazendo novas perguntas. O público a quem é permitido ver e ouvir, mas a quem se impede que leia, vê dificultada a sua emancipação. Aquilo que se pode ter a preto e branco para levar tranquilamente para casa é apenas o princípio da comunicação. Proclamar o que se leu, publicá-lo é um segundo passo, sem o qual o primeiro carece de sentido. É a palavra que dá vida à letra morta. A emancipação não se realiza premindo um botão de rádio ou de televisão, nem mudando de canal a cada dois segundos, mas unicamente tomando a palavra e pronunciando o mundo como ele é (Paulo Freire).

O reducionismo actual do discurso jornalístico conduz à despolitização da sociedade, efectuada através do reclame consumista o que equivale a um enfraquecimento do Estado. Este reduz-se, por seu turno, a acções simbólicas.

Este mecanismo visa uma ordem económica e não pretende satisfazer necessidades, mas, pelo contrário, criá-las. As mensagens dos meios de comunicação de massas acopladas à indústria da sugestão do reclame comercial suscitam nos seus receptores falsas expectativas. Devem ir à procura da salvação precisamente onde ela não está: no consumo dos miraculosos mundos dos meios de comunicação. Talvez, como afirma Harry Pross, a exploração dos recursos da Terra, dos tesouros da Natureza tenha chegado tão longe que a indústria tenha agora de recorrer à exploração das almas dos homens e mulheres. Os esforços dirigem-se, agora, não tanto à exploração da força de trabalho, como à indução fisiológica e psicológica de necessidades que devem fazer rolar a roda da denominada “sociedade de mercado livre”, ou seja, do capitalismo.

É certo que apenas pelos meios de comunicação se pode chegar ao público. A “sociedade global” não tem uma atitude, como tampouco os “meios de comunicação” ou a “imprensa” parecem estar em condições de assumir uma postura. Na actualidade, como o público deve aceitar os novos meios electrónicos de comunicação a fim de sufragar os gastos enormes dos seus inventores e proprietários, apelar à consciência dos legisladores é tão fútil como apelar à responsabilidade de jornalistas e editores. Haveria antes que partir de baixo. Poder-se-ia tentar:

– Congregar público com meios alternativos de comunicação capazes de funcionar sem critérios comerciais na denúncia da indústria mediática.
– Realizar um trabalho de formação nas escolas, estabelecer o estudo dos meios de comunicação como disciplina curricular.
– Fomentar a capacidade comunicativa. Não basta ser um receptor “crítico”. Cada um deve ganhar consciência do seu lugar e papel no processo de comunicação de massas e das possibilidade de que dispõe para articular, expressar e satisfazer as suas necessidades.

A reflexão sobre o futuro do jornalismo não deve esquecer a sua origem nem as suas características profissionais: os jornalistas investigam, produzem e publicam sob as condições materiais existentes. As novas tecnologias aumentam o fascínio pelo lúdico quando se dominam as velhas artes da investigação, da formulação e da publicação. Ninguém pode manejá-las sem alfabeto, sem o domínio da configuração artesanal e sem a sua própria fantasia e imaginação.

Descobrir as contradições, analisá-las e comentá-las continua a ser uma tarefa de grande exigência. A solução consiste em guardar a devida distância relativamente aos assuntos e o compromisso com o público, isto é, com o povo.

Se a capacidade diferenciadora dos grandes meios e da comunicação institucional, académica, não pode ou não quer colocar as questões no sentido ilustrador aqui exposto, a inteligência humana tem de utilizar outros meios para o fazer. O factor decisivo é sempre a sociedade polifacetada das populações, o mundo múltiplo dos movimentos populares, dos leitores e não leitores, negros e vermelhos, homens e mulheres, etc.

Se a comunicação organizada dos grandes meios jornalísticos e das instituições não indagam os conflitos nem os questionam, estes acabarão por deflagrar de uma maneira ou de outra. A utilidade dos meios de comunicação é relevante enquanto exprimam os conflitos latentes, antes que as pedras comecem a voar e a força bruta tome o lugar da pergunta e da resposta.

Colocar hoje as perguntas incómodas, provocadoras, significa encontrar as respostas de amanhã. Omiti-las equivale a não cumprir como devido a profissão de comunicador ou de formador de comunicadores.

por Blogue da Emigração Publicado em 1

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